Com um Chile incendiado, Sebastian Piñera opta pela repressão para apagar as chamas
Por Vinícius Zanatta*

Crédito: Sébastien G. Mora (@xsebastien) – Fotos e vídeos do Instagram
Trinta anos depois do fim da ditadura chilena, em 1990, os militares ocupam novamente as ruas de Santiago. Impulsionados por um aumento de 3,75% nas passagens de metrô, estudantes iniciaram um movimento que gerou um caos na capital do Chile e que acabou se espalhando para as demais regiões do país.
O evento carrega algumas similaridades com os eventos ocorridos no Brasil em 2013, quando, por consequência de um aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus, diversas manifestações tomaram conta das principais cidades brasileiras. Frases como “o gigante acordou” e “não é só por vinte centavos” parecem também fazer parte das atuais manifestações chilenas, que tem como lema “Chile desperta”.
A instabilidade econômica e democrática da América do Sul demonstra um grau de incerteza muito forte, que é afirmada por um desamparo estatal e por uma falta de representatividade política.
Fica claro também que a atual revolta da população com o governo de Sebastián Piñera vem de uma crescente indignação a respeito da falta de iniciativas em inclusão e desenvolvimento social. Essa indignação tem fruto em um sistema de privatizações nas áreas de saúde, educação e transporte, somados a um sistema previdenciário que seria mais bem traduzido como imprevidência¹, baseado na capitalização individual, e que equivale para 80% dos chilenos a uma aposentadoria menor do que o salário mínimo, e para outros 44% um salário abaixo da linha da pobreza². Apesar de ser detentor de um crescimento invejável nos últimos anos, de ter uma projeção de aumento do PIB de 2,5% para 2019, – relativamente grande se comparado a países como Brasil e Argentina – e de demonstrar o melhor Índice de Desenvolvimento Humano da América do Sul (0,843), o Chile não apresenta saídas para a redução das desigualdades sociais, especialmente em Santiago, onde o custo de vida aumentou 150% desde 2009, enquanto os salários aumentaram apenas 25%³.
Além do panorama interno, não seria exagero dizer que a revolta chilena tem também uma origem externa. A instabilidade econômica e democrática da América do Sul demonstra um grau de incerteza muito forte que é afirmada por um desamparo estatal e por uma falta de representatividade política. Não é só Santiago, percebe-se também um movimento contínuo de protestos ao redor do mundo. Hong Kong, Irã, Catalunha, Peru, Líbano e, recentemente, Bolívia, vêm sofrendo manifestações populares que têm origem na ingerência política e na falta de comprometimento democrático e social.
Vale agora acompanhar quais serão as próximas políticas para contenção desses protestos. Aparentemente, o caminho autoritário escolhido pelo presidente chileno não vem dando certo, e não há mesmo como dar. Mesmo que os jovens estudantes que se manifestam hoje não tenham vivido durante a época de Pinochet, a história mostra que o povo chileno pode sofrer, mas não desistirá de lutar.
* Aluno do segundo ano diurno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2019).
¹ Román, Sergio Jara. “A Imprevidência Chilena”, Revista Piauí. 14 de agosto, 2019.
² Sakamoto, Leonardo. “Protestos no Chile tem origem na privatização de serviços, diz especialista”. Blog do Sakamoto. 21 de outubro, 2019.
³ Montes, Rócio. “Explosão Social no Chile reflete mal-estar com desigualdade e lembra atos do Brasil em 2013.” Jornal El País, Protestos no Chile. 21 de outubro, 2019.
Referências
A imprevidência chilena
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/20/internacional/1571531965_776078.html
Chile tem maior revolta social das últimas décadas; bolsa de Santiago cai mais de 4% e peso tem forte queda
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/09/06/Como-a-direita-chilena-se-relaciona-com-Pinochet
https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2019/10/protestos-chile-insatisfacao-previdencia/