top of page

Crise em uma sociedade pós-moderna: é possível falar sobre inovações?

Em uma sociedade repleta de incertezas, crises podem ser momentos de encontrar novos caminhos

Por Sara Clem*

Há debates no campo sociológico que afirmam estarmos vivendo em tempos pós-modernos, caracterizados pelo alto grau de incerteza acerca do futuro. Em momentos de crise, como a pandemia do COVID-19, tal sentimento pode ser exacerbado. Esse fenômeno pode ser observado na constante ansiedade a respeito da economia, política, em aspectos sociais e pessoais. Entretanto, talvez nesses momentos, estão escondidas novas oportunidades que podem levar à inovações na sociedade. 

O filósofo Gilles Lipovetsky é um dos que defende que o fenômeno coronavírus é uma prova de existência da globalização e um sintoma da hipermodernidade. Consiste na forte presença do individualismo, e na aceleração da modernidade, em que “ […] quanto menos o futuro é previsível mais ele precisa ser mutável, flexível, reativo […]” (2004, p.57). Desse modo, essa característica, segundo o autor, pode acarretar em uma sociedade que transforma a vida em algo sem finalidade.

Anthony Giddens, sociólogo, ainda apresenta o conceito de modernidade reflexiva, que se caracteriza pelos chamados “mecanismos de desencaixe”. Esses são proporcionados através de um certo esvaziamento do tempo e espaço, à medida que nos encontramos em um mundo globalizado. Dessa forma, os indivíduos pré-modernos tinham sua contagem de tempo vinculado ao seu respectivo lugar. Na modernidade, entretanto, os indivíduos vivem em espaço e tempo universalizantes, como exemplo, podemos citar o “sistema de tempo universal e zonas de tempo globalmente padronizadas” (2002, p.23).

Sobre esse esvaziamento de tempo e espaço, são fenômenos que endossam a globalização. Diferentemente da pré-modernidade, os indivíduos agora precisam tomar decisões acerca de eventos que são precisamente globais e não mais locais. A título de exemplo, em dezembro de 2019, a China passou a sofrer o contágio pelo novo coronavírus. Dessa forma, um evento isolado que se passava nesse país impactou o comportamento de todo o globo, antes mesmo da doença alcançar outros países.

Nesse sentido, Giddens afirma que os mecanismos de desencaixe são decorrentes dessa separação entre tempo e espaço local, pois  vinculam-se a “sistemas especializados”, que consistem na divisão de trabalho. Dessa forma, é necessário confiança em serviços de médicos, advogados, agricultores, engenheiros, entre outros, à medida que um indivíduo não pode exercer todas essas funções num mundo globalizado. 

Diante disso, pode-se perceber o papel fundamental da confiança e colaboração no sistema global, assim como as crises salientam essa importância. Ao mesmo tempo que a pandemia pode aumentar as incertezas sobre o futuro, possivelmente haverá um aumento na percepção da vida social dos indivíduos. Ao viver em uma hipermodernidade, em que tudo é acelerado, indivíduos agora são obrigados a desacelerar, podendo construir maior contato com uma auto-percepção, e suas relações sociais.

No que tange os mecanismos de desencaixe presentes na modernidade reflexiva, a atual pandemia pode conscientizar os indivíduos da importância de um trabalho coletivo, em que se pode citar a percepção do papel da ciência e dos técnicos de saúde na sociedade, por exemplo. Ainda em relação aos indivíduos, tais tendências podem empoderá-los a promover pequenas mudanças, já que conseguem ter uma maior consciência de suas próprias ações. Podemos exemplificar por meio da necessidade de se fazer um isolamento social em prol da diminuição do contágio da doença.

Segundo o sociólogo Mário Luis Small, com os devidos estímulos, a longo prazo, essas tendências ainda podem ser direcionadas a outras esferas da sociedade, como por exemplo, a vida cívica. Dessa forma, os indivíduos podem construir um senso de pertencimento e responsabilidade em ações nas cidades onde vivem.

Diante disso, numa sociedade que sofre com muitas incertezas, de fato, uma crise pode piorar essa percepção. Entretanto, podem-se encontrar caminhos para inovações, em que boas práticas podem ser tomadas em prol de uma vida em sociedade mais saudável e promover mudanças a longo prazo.

* Aluna do terceiro ano noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2020).

Referências

GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 1-13.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. “O coronavírus é um sintoma da hipermodernidade”. Entrevista com Gilles Lipovetsky. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597016-o-coronavirus-e-um-sintoma-da-hipermodernidade-entrevista-com-gilles-lipovetsky 

LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. 4. ed. São Paulo: Barcarolla, 2004. p. 1-118.

REVISTA GAMA. “Vivemos em cidades cosmopolitas, mas ainda em bolhas”. Disponível em: https://gamarevista.com.br/semana/como-viver-junto/entrevista-sobre-bolhas-sociais-e-como-viver-junto/

bottom of page