O enfrentamento da pandemia exige, também, cooperação internacional
Por Gabriel Teixeira F. de Souza*

Crédito: Marcos Corrêa / Reprodução: Politize
Com o fim da Guerra Fria e a queda da União Soviética, muito se especulou sobre a ascensão dos EUA como a grande hegemonia do globo, finalmente, em um sistema internacional unipolar. Entretanto, com o fim da década de 90 e começo do século XXI, vimos que as lacunas de poder não foram supridas pelos EUA, mas sim por vários países latino-americanos, asiáticos, africanos, que vêm crescendo tanto economicamente como politicamente.
Esses países, ao se tornarem players relevantes no jogo internacional, trouxeram consigo uma importante ideia: a do multilateralismo. O foco era não mais tratar os problemas de forma bilateral (um país diretamente com outro), mas de forma multilateral, ou seja, tratá-los de forma coletiva, geral. Por isso, a atuação em fóruns internacionais tornou-se essencial (tais como na OMC, BRICS, UNCTAD, entre outros). Essa estratégia constituiu parte do discurso latino-americano, acabando por incorporar-se em instituições como o Mercosul e a Unasul, que passaram a representar não apenas um regionalismo, mas uma forma de inserção desses países no cenário internacional.
Todavia, houve uma mudança política interna na maior parte dos governos latino-americanos e essa política fora substituída pela do bilateralismo. O governo brasileiro chegou a acusar as instituições multilaterais, anteriormente tão quistas, de “globalistas”, ao supostamente buscarem intervir nos assuntos internos do país.
Em meio à Covid-19, no entanto, o multilateralismo pode se reapresentar, especialmente para a América Latina – o novo epicentro da pandemia – como uma excelente ferramenta, não apenas por facilitar as trocas de cidadãos e de informações regionalmente, mas como um instrumento para participar e pressionar também os esforços internacionais. A ideia de multilateralismo é justamente aquela de buscar força na comunidade, quando não se há na individualidade.
Frente às fragilidades acentuadas pelo coronavírus, os países latino-americanos podem se beneficiar ao agirem juntos, novamente, em fóruns multilaterais como a OMS. Além disso, podem ter mais força para solicitarem equipamentos essenciais, testes, entre outros itens que tornam-se cada vez mais necessários e caros, como vimos em outros exemplos onde o multilateralismo foi utilizado, como no G4 (que buscou a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas).
Novas iniciativas, inclusive, transcendem o Mercosul. O Foro para o Progresso e Integração da América do Sul (Prosul), por meio de seus membros, nomeadamente, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Paraguai, realizou videoconferência justamente para tratar de trocas de informações para o enfrentamento da pandemia. Todavia, a ação política poderia ser mais ampla, utilizando-se da força econômica do Mercosul, ou da relevância política do Prosul, em vias de aumentar a cooperação interna (fundos de pesquisa em conjunto são essenciais, por exemplo), como também para ter mais força no cenário internacional.
Assim, o multilateralismo apresenta-se como uma ferramente para diminuir o número de fatalidades e casos ou, ao menos, para buscar encontrar uma luz no fim do túnel. Ele pode, e se mostrou, essencial para a política no começo do nosso século, e pode também, ser uma ótima ferramenta para sairmos de suas crises. Embora não se trate de um único caminho, todavia, os dispositivos estão presentes justamente com essa finalidade, qual seja, a de potencializar o impacto que os países têm no sistema mundial, já que sozinhos apresentam fraquezas. Dispositivos regionais (como o Mercosul e o Prosul), multilaterais (especialmente a OMS), entre outros fóruns como os BRICS e o “G7 expandido” proposto por Trump, apresentam, frente às fraquezas, muitas facilidades.
Os dispositivos são numerosos, pois o multilateralismo se propõe como uma saída para a maior parte dos países do globo, como os países europeus (que, em conjunto, têm mais impacto). Entretanto, para além das medidas de criação do G7 expandido, pouco é feito com o que temos já criado e já estruturado. O multilateralismo talvez tenha escapado da pauta ideológica da atual Política Externa Brasileira, mas pode, caso superemos o isolador bilateralismo, voltar a ser um dos pilares da superação de nossas crises.
* Aluno do terceiro ano noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2020).
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Países do Prosul adotam medidas conjuntas para enfrentar Covid-19. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-03/paises-do-prosul-adotam-medidas-conjuntas-para-enfrentar-covid-19
BIANCULLI, Andrea. COVID-19: An Opportunity for Regional Cooperation in Latin America?. United Nations University, 2020.
ITAMARATY. Brazil and UNSC Reform. Ministério das Relações Exteriores, Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://csnu.itamaraty.gov.br/brazil-and-unsc-reform
SILVA, H. C. M. Resenha: ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o Multilateralismo Econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbpi/v42n1/v42n1a12.pdf
Vigevani,T. JÚNIOR, H. R. A ideia de multilateralismo. Texto apresentado no 8º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2011. Disponível em: https://cnd.fgv.br/sites/cnd.fgv.br/files/Tullo%20Vigevani%20e%20Haroldo%20Ramanzini%20J%C3%BAnior%20-%20A%20ideia%20de%20multilateralismo.pdf