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Hegemonia chinesa?

Afinal, a pandemia acelerou ou desacelerou a troca de poder mundial?

Por Gabriel Teixeira F. de Souza*

Crédito: Reuters/Stringer

Hegemonia. Termo grego que significa Líder, usado desde a Guerra do Peloponeso, há mais de dois mil e trezentos anos atrás na Grécia Antiga. As cidades gregas, Esparta e Atenas, batalhavam por quem teria mais poder e se tornaria portanto o líder não só militar, como político, econômico e também – porque não – ideológico.

No palco atual das relações entre os Estados, e principalmente dada a atual tecitura desses mesmos debates (nomeadamente, a pandemia do COVID-19), o tema é levantado nesse mesmo tom. Anteriormente à explosão da pandemia, a academia de política internacional e relações internacionais estavam cheios de trabalhos discutindo acerca da Hegemonia – ou não – do novo país do momento: a China.

Com a pandemia, vários trabalhos buscam acertar suas previsões e dizer enfim que esse é o momento final para a hegemonia norte-americana, enquanto outros dizem que há mais resiliência na ordem mundial do que pensamos. Não é nosso trabalho aqui findar esse debate. Todavia, ele apresenta uma importante questão. Afinal, após a pandemia, teremos um mundo liderado por Pequim?

É inegável a ascensão econômica e política da China nos últimos anos. O crescimento econômico chinês da década de 90, sua posição global na economia internacional não apenas como um grande produtor de insumos de alto valor agregado, como também um dos maiores mercados consumidores do mundo – seja em extensão territorial, seja populacional – colocam o “Socialismo com características chinesas” como um dos modelos econômicos mais efetivos e a China como um dos atores mais relevantes do mundo.

Para além da relevância econômica, o desempenho político chinês, seja no final da Guerra Fria e início da década de 90, seja na sua atuação nos palcos multilaterais, expansão de relações com o continente africano e projetos de infraestrutura bilionários (como a nova “rota da seda”), também acompanham devidamente o crescimento econômico. O Shishi Qiushi, a filosofia política operante nas relações internacionais chinesas, traz de forma pragmática a leitura das relações com outros Estados. Como resumiria Deng Xiaoping, “não importa se o gato é preto ou branco, contanto que ele capture ratos”.

Entretanto, também cabe observarmos a posição da atual ordem hegemônica americana. Desde 1945, os EUA reformularam a ordem global econômica, política e, principalmente no Ocidente, a ordem ideológica.

País fundador da ONU – argumentavelmente, o maior palco multilateral do mundo – e que tem o poder – até hoje – de decidir e influenciar como essas mesmas instituições operarão em âmbito mundial (a exemplo recente da ação do presidente americano Donald Trump e sua decisão de cortar os pagamentos à OMS), o país que faz parte da maior aliança militar do globo (a OTAN) e também é o centro das maiores empresas do mundo (Apple, Google, Amazon,etc.).

Ainda em meio à pandemia do COVID-19, Washington ainda é o país que determina muito da agenda internacional, como fez por exemplo com a moral da OMS ao desafiar sua neutralidade. Não há sinais também que os EUA tenham perdido sua capacidade de organização da ordem mundial nos últimos anos, apenas sinais de crescimento chineses.

Qual conclusão podemos tirar, portanto? Qual será o impacto da pandemia na ordem política mundial? Será ela o último golpe necessário para derrubar a já ruída ordem mundial americana, democrática e capitalista? Ou será ela talvez a justa demonstração do contrário – da sua capacidade de resistência?

Gramsci, marxista italiano do século XX, foi uma das fontes para o conceito de hegemonia conforme trabalhado nas Relações Internacionais, e pode nos ajudar a responder essa pergunta. Hegemonia é um conceito vinculado não apenas à força militar ou econômica (Hard Power), mas também ao poder de convencimento (Soft Power) que o hegemon exerce sob seus seguidores. Para ser, efetivamente, um hegemon, um país tem que não apenas ter o predomínio econômico e militar, mas também ideológico.

Esse último aspecto é o faltante na atual posição chinesa no palco global. Ceticismo quanto aos números chineses, ataques constantes por parte dos EUA e seus aliados – incluindo o Brasil – à possível falta de agilidade na contenção da pandemia e talvez, o aspecto mais relevante e estrutural, o socialismo e autoritarismo chinês, mostram-se como ativos impedidores de, ao menos no atual momento, a China tornar-se o país que o mundo finalmente tratará como único líder.

Não obstante, hegemonia é um conceito ocidental. E como tal, carrega consigo valores ocidentais. Toda e qualquer leitura acerca da hegemonia deve carregar consigo também a questão: “aquele ator efetivamente deseja a hegemonia como a conhecemos?”. Talvez, não. Parafraseando Deng Xiaoping, a China não quer tomar o lugar dos EUA, nem de qualquer país. Seu discurso não é de dominação, mas de coexistência. O que aconteceu, na ótica de Xiaoping, foi que o mundo se esqueceu que a China é país com mais de um bilhão de seres humanos e portanto, agirá de acordo com os seus mesmos interesses.

Então, talvez, a questão não seja realmente se a China se tornará um novo hegemon tal qual os EUA, mas sim, que forma tomará a nova configuração de poder mundial, seja ela com a manutenção dos EUA como líder, ou ainda, uma ordem totalmente nova, multipolar e oriental.

* Aluno do terceiro ano noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2020).

Referências

CHAN, Gerald. Chinese Perspectives on International Relations. A framework for analysis. New York: Palgrave Macmillan, 1999.

COX, Robert W. Gramsci, Hegemonia e Relações Internacionais: um ensaio sobre o método. IN: GILL, Stephen. Gramsci: Materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.

CAMPBELL, Kurt M; DOSHI, Rush. The Coronavirus Could Reshape Global Order: China Is Maneuvering for International Leadership as the United States Falters. Foreign Affairs, Abril/Maio, 2020. Disponível em: <https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2020-03-18/coronavirus-could-reshape-global-order&gt;.

GREEN, Michael. MEDEIROS, Evan S. The Pandemic Won’t Make China the World’s Leader: Few Countries Are Buying the Model or the Message From Beijing. Foreign Affairs, Abril/Maio, 2020. Disponível em: <https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-04-15/pandemic-wont-make-china-worlds-leader&gt;.

THE ECONOMIST. Is China winning?. Disponível em: <https://www.economist.com/leaders/2020/04/16/is-china-winning&gt;

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