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Lockdown em Shanghai causa controvérsias pelas medidas de distanciamento social

Os vários aspectos do confinamento chinês: exaustão e censura para um “bem comum”


Por Elisa Spagnollo*

Imagem retirada do vídeo Vozes de Abril (editada)¹


Em abril de 2022, um vídeo intitulado “vozes de abril” viralizou em redes sociais como: Instagram, Weibo entre outras, desafiando a censura de Pequim e mostrando a insatisfação da população com o lockdown que foi instaurado na maior cidade chinesa. O videoclipe não mostra nenhuma imagem surpreendente, são apenas takes aéreos de Shanghai, contudo, ao rodar o vídeo o espectador é surpreendido com gravações de áudio em que chineses reclamam de falta de atendimento médico, ausência de respostas e insuficiência de alimentos, devido a medida de controle de infecção adotada pelo governo da cidade.


É de conhecimento de todos que falar sobre a China de maneira não superficial é complicado por vários motivos, dentre eles: a) a falta de acesso a notícias com credibilidade; b) o receio de subjugar o Estado e apropriar-se do que Said (1978) chama de Orientalismo; c) a barreira linguística, que força o pesquisador a usar de informações secundárias, por conta da dificuldade de entender o mandarim. Por estes e outros motivos, o texto apresentado é um compilado de informações dadas por moradores/viventes sobre a atual situação de Shanghai (上海 ) em suas contas pessoais em redes sociais, por notícias espalhadas em vários jornais e manifestações oficiais da República Popular da China.


A determinação das autoridades públicas é que todos os moradores locais devem ser testados regularmente e, caso o diagnóstico seja positivo, o indivíduo deve ser enviado para Fang Cang, um hospital improvisado e administrado pelo governo. Esse hospital se tornou alvo de várias críticas via vídeos nas redes sociais de cidadãos que foram enviados para lá, pelo fato de ser um local precário com difícil acesso a comida e remédios, além dos problemas de organização devido ao alto número de pessoas instaladas. Isso acabou amedrontando a população, que, em parte, criou um medo maior de ser enviado ao Fang Cang do que de contrair a COVID-19.


É inesperado que um vídeo com tal tom de protesto consiga driblar a censura instaurada pelo governo nas redes sociais chinesas. Os esforços das autoridades locais em tentar flexibilizar o lockdown são contínuos, mas não há previsões nem pronunciamento oficial de quando irá ocorrer, já que o número de mortes e de casos graves segue em alta.


Em uma cúpula global sobre a saúde no ano passado, o líder chinês Xi Jinping (习近平) deu a seguinte declaração: “Nenhum esforço deve ser poupado para atender a todos os casos, salvar todos os pacientes e respeitar verdadeiramente o valor e a dignidade de cada vida humana”. Com isso, a política “Covid zero” é uma forma de demonstrar a prioridade do governo de acabar com o Coronavírus totalmente, não dando tanta importância com os riscos econômicos do Estado ou com o ressentimento da população, mas sim com o controle de número de casos e mortes causadas pela COVID-19. Diante disso, na última semana (09/05/2022), o presidente reiterou seu apoio à política, dando a entender que não há a mínima possibilidade desta medida de isolamento ser flexibilizada ou modificada.


Nesta mesma linha de pensamento, a China vem usando sua inteligência, tecnologia e esforços para combater da melhor forma possível a COVID-19. E, mais uma vez, os chineses provam ser astutos usando a tecnologia na luta contra o ressurgimento da doença, evitando que as pessoas sejam infectadas por meio de robôs varredores automáticos, veículos de lavagem de piso e de desinfecção. É utilizada também, a esterilização a partir de automóveis não tripulados e ônibus autônomos, para que humanos não entrem em contato com áreas contaminadas. Essas medidas estão sendo feitas em várias áreas públicas em Hefei, província de Anhui, no leste da China. Estas, portanto, visam diminuir o risco que a equipe de prevenção se submete todos os dias ao sair para o trabalho, fornecendo também soluções mais científicas para a prevenção regular de epidemias.


No entanto, sabe-se que, para implementar uma política nesse grau de restritividade, o Estado precisa de um aparato gigantesco para suprir todas as necessidades da população chinesa, que corresponde a 1,402 bilhão de pessoas, segundo dados de 2020 do Banco Mundial. Com base nestas observações, Will Liu, de 28 anos e morador de Shanghai há quase 7 anos, foi entrevistado pela BBC e comentou sobre a reviravolta que o lockdown gerou em sua vida. Liu armazenou comida suficiente para os cinco dias iniciais de isolamento anunciados pelo governo, nas palavras do entrevistado: "Na segunda semana de lockdown, encontrei este site de entrega de comida anunciando 'Costeletas de porco por 400 yuans (R$300)’ como estava morrendo de fome, fiz a compra por impulso, mas tudo o que consegui foram dois pedaços de carne podre, consegui recuperar meu dinheiro, mas fiquei muito desapontado". A grande demanda de alimento congestionou os sites e aplicativos de compra online, gerando insatisfação da população que, com muitos esforços, conseguem algo para comer, com preços exorbitantes, como no caso do entrevistado.


Entre 2005 e 2010 a China transformou-se no maior exportador mundial, e no segundo maior importador, atrás apenas dos EUA (Farooki e Kaplinsky, 2012). A China possui uma enorme influência na economia mundial, ou seja, as complicações ocasionadas pelo agravamento do número de casos do coronavírus em Shanghai aliado às novas restrições impostas pelo governo, gerou o fechamento do porto da cidade, aumentando o número de navios em espera para carregar ou descarregar no porto. Levando isso em conta, fica claro que essas medidas impactam o mundo inteiro, não só no âmbito político mas também econômico. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, declarou em uma entrevista para a InfoMoney que: “O risco maior é a inflação no mundo, que já está passando por graves processos inflacionários há dois anos [...] É agravante de uma crise que já vem há algum tempo”. O risco de aumento da inflação é preocupante para todos no mundo globalizado e interdependente em que vivemos.

Conclui-se, assim, que o impacto gerado pelas restrições nas cidades chinesas, não afetam somente os chineses, mas o mundo inteiro. Contudo, a prioridade do Estado chinês continua sendo o controle da pandemia em todo o seu território. Sendo assim, esse texto não possui o objetivo de pré-julgar as medidas chinesas impostas, mas sim tentar entendê-las, dando margem para que cada leitor forme um pensamento crítico sobre o assunto.


*Estudante do sétimo período noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2022).


Referências:


¹THE voice of April. Shangai: S/N, 2022. Color. Legendado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6Hy1BdLO4hU. Acesso em: 19 maio de 2022.


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HE, Laura. Atrasos em portos de Xangai apresentam novos riscos a cadeias globais: porto de xangai já sofria de grandes atrasos, e a extensão pode piorar o congestionamento e aumentar ainda mais os custos de transporte, disseram especialistas. Porto de Xangai já sofria de grandes atrasos, e a extensão pode piorar o congestionamento e aumentar ainda mais os custos de transporte, disseram especialistas. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/atrasos-maiores-em-portos-de-xangai-apresentam-novos-riscos-a-cadeias-globais/>. Acesso em: 02 maio 2022.


MCCARTHY, Simone. China enfrenta desafios políticos à medida que número de mortes por Covid aumenta: autoridades priorizam acabar com vírus acima de tudo, mesmo com crescentes riscos econômicos e ressentimento da população que vive em lockdown rigoroso. Autoridades priorizam acabar com vírus acima de tudo, mesmo com crescentes riscos econômicos e ressentimento da população que vive em lockdown rigoroso. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/china-enfrenta-desafios-politicos-a-medida-que-numero-de-mortes-por-covid-aumenta/>. Acesso em: 02 maio 2022.


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