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O racismo em evidência internacional

Atualizado: 15 de jun. de 2022

Como a abordagem racial cinematográfica se relaciona com o racismo vivenciado pela população negra na realidade

Por Virginia Santos*

[Contém spoilers]

Filmes podem ser, normalmente, uma válvula de escape para os problemas do mundo e uma forma de relaxamento e entretenimento. Porém, muitas vezes, vários diretores decidem utilizar suas obras para retratar os problemas sociais, seja de forma explícita ou não. O filme “Corra!”, dirigido por Jordan Peele, lançado em 2017 e vencedor do Oscar de Roteiro Original, aborda questões de extrema relevância para a sociedade de maneira instigante e, que muitas vezes, podem passar despercebidas aos olhos de muitos espectadores. Existem inúmeras semelhanças com o retratado no longa-metragem e a vida real: o filme aborda de uma maneira tensa a interracialidade no relacionamento de Chris, que é um jovem negro prestes a conhecer a família de sua namorada, a caucasiana Rose. A princípio, ele acredita que o comportamento excessivamente amoroso por parte da família dela é uma tentativa de lidar com o relacionamento de Rose com um rapaz de sua cor. Com o tempo, ele percebe que a família esconde algo muito mais perturbador1.

Um exemplo é quando o ator Daniel Kaluuya, que protagoniza Chris, ao tirar foto com flash, desencadeia uma grande transformação em seu comportamento. Trata-se de uma inteligente alusão à importância dos vídeos e fotos na luta contra o racismo, como se as câmeras tivessem o poder de revelar coisas que antes poderiam passar sem tanta atenção.

Foi da mesma forma que, na noite de segunda-feira, 25 de maio, a morte de um homem negro por um policial branco na cidade de Minneapolis repercutiu o mundo. George Floyd, de 46 anos, morreu algemado e com o pescoço prensado ao chão pelo joelho do policial Derek Chauvin, após falar inúmeras vezes que não conseguia respirar2. Segundo relatos, o policial já esteve envolvido em três tiroteios policiais durante seus dezenove anos no cargo e foi alvo de 10 queixas de conduta que resultaram em nenhuma ação disciplinar3. Coincidindo com o filme, foi depois que imagens gravadas pelos celulares de pessoas que ali passavam chegaram à internet, expondo a crueldade com que foi conduzida a ação policial, que houve mais de uma semana de protestos na cidade do ocorrido, rapidamente espalhados por outras cidades do país e atravessando fronteiras pelos vários continentes.

O episódio de George Floyd gerou tamanha revolta entre os negros norte-americanos pelo sentimento provocado de impotência e paralisia – outro elemento abordado de maneira perspicaz pelo diretor de “Corra!”. Na cena em que Chris se vê no “lugar afundado”, o objetivo era retratar a incapacidade de agir em determinadas situações. Não ser capaz de expressar sua opinião, pelo risco de perder o emprego ou sentir-se controlado por alguém que não leva seus interesses a sério, são exemplos dados pelo protagonista em uma entrevista4.

O caso de João Pedro, menino de 14 anos que foi morto após uma operação policial no município de São Gonçalo, RJ, expõe essa impotência. João Pedro, que estava brincando com alguns amigos na casa de seus tios no Complexo do Salgueiro, foi morto por um tiro de fuzil disparado pelas costas. Após ser baleado, ele foi levado pelos policiais para o helicóptero da Polícia Civil e seu corpo só foi encontrado pela família 17 horas depois no Instituto Médico Legal de São Gonçalo5.

Os protestos internacionais acusam que o racismo é tão intrínseco às sociedades, e, ao mesmo tempo, comumente posto em segundo plano. É apenas quando algum caso extremo é colocado em evidência, como o de Floyd ou João Pedro, que o debate racial também o é. Cada país com sua peculiaridade, tanto o Brasil quanto os Estados Unidos passam juntos por esse problema profundo, que é a persistência do racismo, mesmo com mais de 130 anos desde a abolição da escravidão.

Ficamos, então, presos, refletindo se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida. É inegável que, em múltiplas ocasiões como essas, a arte é capaz de fazer um retrato pragmático e até mesmo obscuro da vida, possibilitando momentos de reflexão tanto individuais quanto sociais.

* Aluna do segundo ano diurno no curso de Relações Internacionais da Universidade Positivo (2020).

Referências

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