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Os caminhos de uma pandemia frente aos direitos individuais

Como a COVID-19 tem também ameaçado a normalidade democrática pelo mundo

Por Luiz Oliveira*

Policiais italianos nas ruas de Milão. Crédito: The BFD News

Vivemos um ineditismo histórico sobre o qual já não restam dúvidas. Em menos de cinco meses, 4,5 bilhões de pessoas foram colocadas em isolamento social, parcial ou não, no mundo inteiro. Novas regras de organização social, reclassificação dos postos de trabalho, direitos individuais suspensos, desabastecimento de suprimentos essenciais à vida, redução de salários e reconfiguração de direitos trabalhistas marcam para sempre uma geração que vê suas crenças, debates e preceitos postos em xeque.

A pandemia global, iniciada na China, exportou para as democracias ocidentais não apenas hábitos higiênicos e equipamentos de proteção individual a custos menores, mas também políticas desesperadas de contenção ao novo coronavírus. Trazendo consigo toda a sorte de cerceamento às liberdades individuais, instituiu-se a anormalidade democrática em nome da segurança.

Mas até que ponto tais atos em nome da segurança coletiva não oferecem riscos à democracia de uma nação?

Sabemos que processos de securitização são amplamente estudados, planejados e implantados ao redor do globo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em diversos contextos, variadas perspectivas e, sobretudo, refletindo abundantes Políticas de Segurança Nacional, os Estados buscam firmar através de sua estrutura burocrática um intrincado, complexo e ágil mecanismo de resposta a ameaças que coloquem em risco suas existências, estabilidades e projeções de interesses.

A exemplo da China, países europeus como Itália, Espanha e França conseguiram empenhar-se no mais alto nível de securitização à pandemia. Este processo seria inconcebível sem um amplo apelo de autoridades políticas na adesão popular contra a ameaça que se apresenta.

É justamente neste ponto que se abrem caminhos à ruína de direitos individuais. Para que um determinado tema, considerado como ameaça na existência de um Estado ou de um povo, seja de fato securitizado, é necessário um amplo e forte apoio da opinião pública às políticas de urgência que são determinadas dentro das etapas de controle e neutralização da ameaça.

A partir deste embasamento social, governantes e autoridades políticas ganham terreno suficiente para a tomada de certas decisões que dispensam o devido processo legal. Dentro do contexto de pandemia global por COVID-19, reuniões são canceladas, eventos suspensos, regulamentos trabalhistas mudados, salários reduzidos e a livre-circulação de pessoas é proibida. À semelhança de um genuíno Estado de Exceção, forças coercitivas são postas nas ruas para punir quem deve ser punido e multar quem deve ser multado, ainda que sob o livre exercício de seus – antigos – direitos.

A anormalidade sócio-política chega até mesmo ao convívio no parlamento. Debates e programações diversas, consideradas irrelevantes ao contexto de segurança nacional, são canceladas ou suspensas, seu próprio funcionamento é ameaçado. O lugar que antes era marcado pela representatividade de seu povo, já não representa e sequer possui povo nas ruas para representar. O sistema democrático, em nome do bem coletivo e na iminência de uma implosão, encontra-se esvaziado. Sua cultura é relegada a segundo plano, afinal, democracia e agilidade são muitas vezes interpretadas como antônimos.

Diante desta conjuntura de tempos atípicos, conversa-se muito sobre o caminho à “nova normalidade”, que não é nova, nem normal. Um processo preenchido por cascas de ovos coloca-se entre a sutileza do autoritarismo e a restituição do sistema democrático, seus direitos e suas liberdades.

Nesse tênue processo entre a retomada das atividades sociais e a ameaça de ruína da democracia, debatemos. Vigilantes sobre as ameaças que processos de securitização trazem e seus conceitos, suas percepções, seus limites. Talvez cá, em terras tupiniquins, voltemos a cantar os atemporais versos de Geraldo Vandré nas ruas, observando os ares que despontam no nebuloso horizonte: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Talvez cá, não levemos a democracia com a seriedade a que se deve. E cá entre nós, não deveríamos nos proteger dos processos de securitização, seus autoritarismos desmedidos e suas ameaças aos nossos direitos? Nas ruas há soldados armados, amados ou não.

* Aluno do quarto ano noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2020).

Referências

O Globo: Coronavírus deixa 4,5 bilhões de pessoas confinadas no mundo. https://oglobo.globo.com/mundo/coronavirus-deixa-45-bilhoes-de-pessoas-confinadas-no-mundo-24378350

R7 Notícias: Itália declara quarentena em todo o país por epidemia de coronavírus. https://noticias.r7.com/internacional/italia-declara-quarentena-em-todo-o-pais-por-epidemia-de-coronavirus-09032020

El Pais: Governo da Espanha limita a circulação de pessoas pelo país ao essencial. https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-14/governo-proibe-todas-as-viagens-que-nao-sejam-de-forca-maior.html

MSN Notícias: Covid-19. Multas por infringir o confinamento somam 78 milhões de euros na Roménia. https://www.msn.com/pt-pt/noticias/ultimas/covid-19-multas-por-infringir-o-confinamento-somam-78-milh%C3%B5es-de-euros-na-rom%C3%A9nia/ar-BB133zQs

UOL Notícias: Trump ameaça fechar Congresso para nomear funcionários sem supervisão. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/04/16/trump-ameaca-fechar-congresso-para-nomear-funcionarios-sem-supervisao.htm

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