Os protestos na ilha chinesa representam muito mais do que lutas contra o autoritarismo: são sintomas dos nossos tempos
Por Gabriel Teixeira F. de Souza*

Crédito: Anthony Kwan/Getty Images/Observer
Vivemos em tempos onde tudo é conectado. A informação percorre distâncias nunca antes vistas e os ideais não se vinculam apenas ao seu lugar de nascimento geográfico: são globais.
Vemos, ao mesmo tempo, movimentos opostos. Nas últimas eleições nos EUA, Brasil, Hungria, Turquia, entre outros países, há uma ascensão dos nacionalismos e dos autoritarismos em busca de uma “ordem perdida”. Em paralelo, diversos protestos ao redor do mundo acontecem, no Chile, no Líbano e em Hong Kong, contrários à censura e ao autoritarismo e em busca das liberdades econômicas e políticas. Diversas são as explicações para esses movimentos, cada qual com sua particularidade. Cabe, contudo, valorizar um aspecto desses novos protestos no século XXI: a identidade.
“Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca da identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado social”, é como explica o professor espanhol Manuel Castells, em sua obra “A sociedade em Rede”. Essa lógica explica com bastante precisão esses movimentos globais.
Os movimentos não conseguem mais ser apenas “locais”. As bandeiras levantadas são sempre globais, e o movimento passa a representar um ideal não apenas para aquele povo, como também para todos os países do mundo.
Com a rede, isto é, com a Internet, fomos obrigados a repensar os valores que antes tínhamos como identidade. Em um mundo onde tudo é muito rápido e, nesse sentido também, desconexo, sentimo-nos frágeis perante uma grande quantidade de informação e também, perante os nossos valores.
É por isso que podemos ver, em uma mesma época, movimentos que lutam por razões opostas: uns desejam mais ordem, outros desejam mais liberdade. Uns desejam liberalização da economia, outros ainda, o fim da desigualdade social.
O que isso nos mostra, e é aí que reside a importância desses novos protestos, é que agora os movimentos não conseguem mais ser apenas “locais”. As bandeiras levantadas são sempre globais, e o movimento passa a representar um ideal não apenas para aquele povo, como também para todos os países do mundo.
Os protestos em Hong Kong mostram justamente isso. Um “clássico” embate entre modelos diferentes, entre ordem e liberdade, já há muito discutido pelos iluministas do século XIX, “revestido” com as novas tecnologias e servindo de modelo para os protestantes no mundo todo. Não apenas modelos de como agir com as novas formas de censura e repressão, mas também modelos de como levantar ideais e de como lutar contra as “assombrosas” forças do autoritarismo.
Os protestantes em Hong Kong buscam mostrar que a sua identidade não está vinculada à coletividade da qual eles fazem parte, isto é, ao Estado chinês, mas sim vinculadas a ideais ocidentais de liberdade e democracia, os mesmos que estão em xeque em outras partes do globo.
Segue, portanto, o conflito entre a “Rede e o Ser”, conforme coloca Castells. Ações que agem em sua localidade, mas estão profundamente ligadas a uma “globalidade”. Os protestos em Hong Kong simbolizam justamente isso: a luta entre a identidade coletiva da modernidade e os agentes individuais do Ser, bem característicos de nossos tempos.
Reside, por fim, a questão. Nesses novos embates de ideias, materializados nessa pequena ilha chinesa, quem sairá vitorioso? A coletividade autoritária, ou a identidade libertadora? Ou será ainda que se produzirá um terceiro processo, um amálgama entre nossos ideais e a rede?
* Aluno do segundo ano noturno do curso de Relações Internacionais na Universidade Positivo (2019).
Referências
CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. Editora: Paz e Terra.
HOLMES, Hellen. Hong Kong Airport Protesters Are Using Art to Voice Dissent: https://observer.com/2019/08/hong-kong-airport-protest-art-ai-weiwei/
Hong Kong protests: Knife attacker bites man’s ear after stabbing four: https://www.bbc.com/news/world-asia-china-50281914
The Hong Kong protests explained in 100 and 500 words: https://www.bbc.com/news/world-asia-china-49317695
Hong Kong protester shot with live round as unrest in city enters sixth month: https://www.youtube.com/watch?v=gUhWJLxzZMg